Quando contou vinte anos, rogou
ao pai que lhe permitisse fazer uma viagem ao estrangeiro. Concedido. E o rapaz
partiu, trépido de entusiasmo. De Madrid seguiu a Paris; depois visitou a
Itália. Nesse afortunado passeio pelas civilizações irmãs da nossa, tudo quanto
respeitava à Arte constituiu a melhor porção do seu estudo. O maior do tempo
gastou-o no interior dos velhos monumentos, nos museus, nas coleções
particulares, nos bazares exóticos, nas lojas de bric-à-brac. E aí, na religiosa paz desses salões consagrados, que horas
de sublimado gozo, de contemplação inefável! Estátuas e quadros que figurassem
a nu belos corpos de adolescentes, estonteavam-no. Trouxe-o doente da mais cega
paixão, dias seguidos, o célebre Antínoo descoberto em Roma no século XVI, no bairro Esquilino, que ocupa hoje no belvedere do Vaticano um gabinete especial,
e é das melhores obras da antiguidade que o tempo nos poupou. Maior que o
natural, deslumbrante na lisa alvura do mármore, ele inclina a cabeça levemente
e dealba no sorriso uma expressão graciosa e fina, que faz um contraste
adorável com a vigorosa envergadura do arcaboiço. Misto inexprimível de morbidezza e força, de energia e doçura,
esta figura preciosíssima realizava para Sebastião em êxtase uma tão perfeita
harmonia de conjunto, que ele ficou-a tomando sempre por modelo das boas
proporções da figura humana.
Mas muitas outras estátuas do
belo favorito de Adriano impressionaram fortemente o futuro barão de Lavos.
Mesmo no Vaticano, mais duas ainda: uma figurando-o de deus egípcio, o olhar
hirto e parado, a curva do lótus no sobrolho, o cabelo todo em anéis colados às
fontes, paralelos; outra singelamente coroada de gramas e nas mãos as insígnias
agrárias de Vertumno, fresca e robusta. Uma outra em Roma, no Capitólio,
trazida da antiga villa de Adriano em
Tivoli, representando o formoso escravo, que as águas do Nilo sepultaram, com o
rosto repassado de melancolia, os olhos grandes e magistralmente desenhados, a
cabeça também inclinada ligeiramente, e em torno da boca e da face esvoaçando uma
perfeição de contorno ideal. No Louvre, uma com os atributos de Hércules, da
mais altiva elegância; outra com os olhos de pedras finas e sobre as espáduas
um manto de bronze, largamente panejado; e uma terceira, sedutora, com o largo
chapéu, redondo e baixo, de Mercúrio, meia túnica deixando descoberto um braço
soberbamente modelado, a perna cingida por botinas de coiro, a coxa
inteiramente nua, opulenta e suave.
Várias figurações de Ganimedes
tocaram-no igualmente, a saber: a encantadora estátua em mármore de Carrara, do
Vaticano, achada em Óstia em 1800; o famoso Rapto de Ganimedes, de Rubens, no
museu real de Madrid; o fresco de Carrache, em Roma; em Florença, a tela de
Gabbiani. O mesmo com o célebre Aquiles, em mármore, do museu do Louvre,
soberbo estudo do nu pertencente à época chamada do estilo sublime, e que passa
por cópia de um trabalho de Alcamenes, o discípulo predileto de Fídias. O mesmo
com os Narcisos, os Batilos, os Hermes, os Adónis, os Evangelistas, as Madalenas,as Fornarinas, — com os motivos mais humanamente plásticos de todas as
religiões e de todos os tempos.
De tudo isto comprou quanta
reprodução lhe apareceu. Voltou com o gosto educado, apurado, sábio, e com a sede dos
largos prazeres ignorados a chamejar-lhe cada vez mais mordente nos grandes
olhos negros. A estupidez pacata do nosso meio exacerbava-o, estimulava-lhe a
fantasia. O que a contingência externa lhe não dava, D. Sebastião arrancava-o encarniçadamente
a um trabalho desfibrinante de evocação interior. Criava, sonhava, concebia
caprichos inverosímeis, que ora conseguia realizar a muito custo, ora se
limitava a saborear, mercê de um longo dispêndio imaginativo, na solidão da sua
alcova.
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